Ao mesmo tempo em que é ampliado o acesso da população ao
sistema financeiro, no chamado fenômeno de "bancarização", a maioria
dos brasileiros ainda comete erros graves no uso dos cartões de crédito. Segundo
pesquisa do Guia Bolso - site de organização de finanças pessoais -, as
parcelas da fatura representam 36% dos gastos no cartão na população de mais
baixa renda, porcentual considerado alto por especialistas. Já em relação à
renda mensal, as parcelas equivalem a 10% da renda.
"É
um porcentual que surpreende. Se imaginarmos que a pessoa já tem outras
dívidas, como o financiamento da casa ou do automóvel, e que é indicado poupar
de 10% a 15% da renda todos os meses, vemos que sobra pouco no orçamento",
avalia o sócio do Guia Bolso, Thiago Alvarez. Na classe baixa (renda mensal de
R$ 1 mil a R$ 5 mil), as parcelas comprometem 10% do salário, enquanto que na
classe média (de R$ 5 mil a R$ 10 mil), o porcentual é de 8% e entre aqueles
que ganham acima de R$ 10 mil, elas representam 4%.
O
limite indicado por especialistas é menor. "Para não haver risco de se
endividar, o limite razoável é comprometer até 5% da renda em parcelas",
diz Alvarez. "O gasto total do cartão de crédito deveria ser de até 10%,
não somente as parcelas", afirma o coordenador do laboratório de finanças
do Insper, Michael Viriato.
Ao
parcelar as compras, muitos se esquecem que estão na verdade transformando a
dívida de 30 dias em algo mais longo, que pode durar meses. Se somado a outros
compromissos de longo prazo, como o financiamento imobiliário, o parcelamento
pode fazer com que o consumidor comprometa grande parte da renda em gastos
fixos. Algo temerário, segundo os especialistas, já que pode levar à
inadimplência. Além disso, com muitas parcelas, a fatura do cartão se torna uma
loteria, já que nunca se sabe o tamanho da conta do mês seguinte.
Atualmente,
seis em cada dez brasileiros têm conta em banco, o maior porcentual da série
histórica da Fecomércio-RJ. No total, são 79,1 milhões de pessoas na rede
bancária que podem ter acesso a cartões. "O problema é que o crédito é
muito facilitado. É fácil conseguir um cartão hoje em dia, mas não há um
controle do Banco Central que estabeleça um teto de gastos", afirma a
coordenadora do Programa de Apoio ao Superendividado da Fundação Procon-SP,
Vera Lúcia Remedi Pereira, ao lembrar que no financiamento imobiliário, por
exemplo, o tomador de crédito não pode engessar mais de 30% da renda na parcela
mensal.
E a
falta de controle ocorre justamente no instrumento de crédito mais caro do
mercado. Em junho, a taxa média cobrada no cartão era de 10,70% ao mês, o que
equivale a 238,67% ao ano, segundo pesquisa da Associação Nacional dos
Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). "Com um
juro tão alto, em pouquíssimo tempo a dívida dobra", diz a coordenadora do
Procon-SP. Não à toa, o cartão é o grande vilão das dívidas: em São Paulo,
49,6% das famílias estão com contas atrasadas, sendo que o plástico é
responsável por 69,8% dos endividamentos, segundo a Fecomércio-SP.
O que parcelar
Especialistas
não condenam o uso do cartão, afinal, ele ainda é um bom instrumento para
concentrar e controlar as despesas e conseguir pontos para trocar por produtos
e serviços. "Costumo comparar o cartão de crédito a uma arma carregada que
o consumidor anda no bolso. Não pode sair atirando para todo lado", diz
Viriato, do Insper.
"Compras
cujos valores são altos, como passagens aéreas e eletrodomésticos, podem ser
parceladas. O que deveria ser evitado é parcelar compras menores", sugere
Alvarez. A pesquisa do Guia Bolso aponta que 51% dos gastos parcelados
correspondem a compras diversas, como roupas. E mesmo gastos correntes, como
mercado e restaurantes, são parcelados por parte dos consumidores. No total, foram
ouvidas 5.649 pessoas na pesquisa, sendo a região de maior concentração o
Sudeste. Nos gastos com viagens, apesar de serem maiores, Viriato afirma que a
porcentagem não deveria ser superior a 10% do salário e que o ideal seria
juntar dinheiro para viajar já com as contas quitadas.
A
primeira sugestão para que os gastos não fujam ao controle é não carregar o
cartão todos os dias na carteira. "Ou seja, a 'arma' deve ser guardada em
casa para evitar compras compulsivas. Se encontrar algo na rua que lhe interesse,
a pessoa deve voltar para casa, pensar melhor e, se for o caso, ir à
loja", diz Viriato. A segunda sugestão é ter no máximo dois cartões, caso
o consumidor queira dividir as datas de pagamento.
Sobre
as parcelas, especialistas afirmam que é importante haver algum tipo de
controle. O cliente pode fazer uma planilha de acompanhamento ou mesmo usar
ferramentas online disponíveis atualmente. O Guia Bolso, por exemplo, atualiza
automaticamente uma planilha de gastos no momento em que o usuário faz uma nova
compra. "Se perceber que está fazendo muitas compras parceladas, a pessoa
deverá se esforçar para mudar esse hábito", afirma o professor do Insper.
Além
dessas sugestões, sempre é indicado pagar a fatura total e não o mínimo, pois,
nesses casos, o juro começa a trabalhar ainda mais contra o consumidor.
"Se o salário já não é suficiente para pagar todas as dívidas e ele começa
a rolar o pagamento é porque há algo errado", diz Vera Lúcia.
Em
casos em que a pessoa já entrou no crédito rotativo, o caminho é a negociação
da dívida com a operadora do cartão de crédito, o que pode ser feito sozinho ou
com ajuda. O Programa de Apoio ao Superendividado do Procon-SP, além de dar
palestras gratuitas e informações sobre o tema, faz a ponte entre o devedor e o
credor, sendo ele o banco, a operadora do cartão ou outra empresa.
Fonte: O Estado de São Paulo
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